
“Nós sonhamos um dia com esse momento: de pajés, brancos e indígenas, conversarem. Esse momento chegou e é muito especial. Quando vamos começar?”, convidou à reflexão o antropólogo e professor na Universidade Federal do Amazonas (UFAM), João Lima Barreto (João Paulo Tukano), como convidado de honra do evento Abril Indígena é o Ano Inteiro, realizado nos dias 12 e 13 de maio, na Faculdade de Ciências Médicas(FCM) da Unicamp, com o objetivo de conferir uma temporalidade política às celebrações do Dia Nacional dos Povos Indígenas no Brasil, fixado em 19 de abril.
“Os povos originários não precisam de vitrines simbólicas para a celebração vazia de suas diferenças, reforçando o mito da “democracia racial” no Brasil. Precisam de políticas concretas que operem em benefício de sua autonomia na produção, preservação e transformação de seus modos de vida. Por isso, o “abril indígena” é o ano inteiro, afirmaram os organizadores do evento, no cerimonial de abertura.
O evento foi realizado no âmbito do projeto multicêntrico e multirregional Saberes e práticas que vêm das margens: encontros e desencontros com a atenção e a formação em saúde. A iniciativa, coordenada pelo professor do Departamento de Saúde Coletiva, Sérgio Resende de Carvalho, conta com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a participação de pesquisadores indígenas da graduação, e de docentes, funcionários e estudantes de pós-graduação da Unicamp.
“Esse evento é uma oportunidade para celebrar e valorizar a presença indígena na Unicamp, mas também para discutir pautas importantes para o corpo discente indígena e a população indígena de Campinas e região de maneira geral, dentre elas, a proposta de criação de um ambulatório de saúde indígena na Unicamp”, explicou Resende.
O docente explicou que a partir das políticas afirmativas, a Unicamp se tornou um importante território indígena, multiétnico com mais de 400 estudantes indígenas, de 50 povos diferentes e de diferentes regiões. E que, a partir desse contexto, deve também comprometer-se com a saúde dessa população, nos termos da Política Nacional de Saúde dos Povos Indígenas.
“Mais do que um projeto de pesquisa, nós entendemos esse momento é um dispositivo para produzirmos muitos encontros que, para além de atender o interesse das pessoas e comunidades indígenas, nos indiquem caminhos nesse grande desafio que é a Atenção à Saúde, a Educação e a formação dos indígenas na universidade”, disse Carvalho, ao destacar a representatividade institucional da ocasião.
A mesa de abertura do evento contou com a participação do diretor associado da FCM, Erich Vinicius de Paula; da superintendente do Hospital de Clínicas da Unicamp, Elaine Cristina de Ataíde; da diretora do Departamento de Atenção Primária à Saúde Indígena, da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai) do Ministério da Saúde, Putira Sacuena; da diretora de Atenção Integral à Saúde da Agência Brasileira de Apoio à Gestão do SUS (AgSus), Luciana Maciel de Almeida Lopes; da membra da Comissão Assessora para Inclusão Acadêmica e Participação dos Povos Indígenas (Caiapi) da Unicamp, Josely Rimoli; da discente indígena do povo baniwa, Angelina Walipere, representando o Coletivo dos Acadêmicos Indígenas da Unicamp; e do chefe do Departamento de Saúde Coletiva da FCM; Sérgio Roberto De Lucca.
Tukano, que esteve na Unicamp à época da luta para a aprovação das cotas indígenas ficou feliz ao constatar mais de 400 estudantes indígenas cursando os diversos cursos da universidade, algo que ele destacou como um avanço das políticas afirmativas. Desta vez, ele esteve na FCM para participar das discussões relativas à proposta de criação do Ambulatório Intercultural de Saúde Indígena (Aisi), no Hospital de Clínicas.
A proposta do Aisi foi elaborada coletivamente em um processo coordenado pelo sociólogo do DSC, Rafael Afonso da Silva, e pelo médico assistente do Departamento de Clínica Médica, Paulo Afonso Martins Abati, junto com acadêmicos indígenas da Unicamp, Caiapi e outros atores. “O Aisi foi pensado para atuar, sobretudo, como dispositivo de apoio matricial e educação permanente orientado para a rede de serviços de saúde da Unicamp e a rede-SUS de Campinas e região, constituindo uma retaguarda assistencial e técnico-pedagógica para atenção diferenciada à população indígena, ‘uma espécie de NASF/eMulti indígena. O Aisi deve favorecer a interculturalidade e a construção de cuidado articulado aos modos de vida e aos conhecimentos indígenas”, explicou Silva.
Para Tukano, discutir uma política de implementação que articule Medicina, Biomedicina e Medicina Indígena, aos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (Diseis), é o sonho dos povos indígenas. “Nós temos, sim, grandes experiências e muita vontade. Estamos prontos e decididos para avançar sempre”, disse.
Idealizador e co-fundador do Centro de Medicina Indígena da Amazônia, Tukano falou, também, sobre Ciência Indígena, conclamando estudantes e pesquisadores indígenas quanto à responsabilidade na transposição dos conhecimentos ancestrais.
“Ao fazermos as nossas pesquisas, temos que trazer o nosso sistema de conhecimento para além da mera tradução e romantização. Nossos trabalhos têm que ser a porta de entrada para o nosso conhecimento, para que um dia o Estado brasileiro o reconheça, de fato e de direito, e não apenas como um favor”.
Durante os dois dias de evento, Tukano participou da intensa programação do evento, que contou com mesas redondas e atividades artísticas. Veja como foi no minidocumentário, abaixo: