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A Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp teve uma obra indicada à final do Prêmio Jabuti Acadêmico na categoria Medicina. O professor do Departamento de Clínica Médica da FCM, Thiago Martins Santos, é um dos autores e editores de POCUS: Point of Care Ultrasound em Medicina de Emergência, da Editora dos Editores. A indicação se soma à Libras e surdos, que teve capítulo escrito por profissionais da Fonoaudiologia da FCM.

O volume reúne, em 36 capítulos, 46 autores e seis editores — emergencistas com ampla experiência no tema — com a missão de construir uma obra nacional de referência tanto para quem inicia na ultrassonografia POCUS quanto para profissionais já experientes. Além de Thiago, assinam a edição Vitor Machado Benincá, Marcio Hideo Deltreggia Saiga, Renato Tambelli, Ricardo Galesso Cardoso e Hélio Penna Guimarães. Também participam como autores de capítulos, pela Unicamp: Anabel Ferrari, Anelise Rigoni Brito, Christian Kazuo Akuta, Heloísa Peres, Lucas Kojima, Thiago Calderan e Tiago Grangeia.

A POCUS é um método não invasivo amplamente utilizado por diversas vantagens, como a ausência de exposição à radioatividade, alta reprodutibilidade, baixo custo, praticidade e portabilidade. Nas últimas décadas, o procedimento foi incorporado de forma definitiva aos departamentos de Emergência, introduzindo o termo POCUS ao vocabulário da prática médica diária, aos cursos da área e à pesquisa clínica. Todo o conteúdo do livro está referenciado pela Associação Brasileira de Medicina de Emergência (ABRAMEDE).

Páginas do livro. QR codes oferecem conteúdo complementar ao leitor

Confira a entrevista com o professor Thiago Martins Santos

Imprensa FCM – Na descrição do livro, é dito que o Point of Care quase substitui o estetoscópio. Do que se trata essa tecnologia? Como ela tem transformado a abordagem clínica na emergência?

Thiago – O ultrassom Point of Care pode ser definido como aquele realizado pelo médico que está atendendo o paciente, à beira do leito, no local ou ponto de cuidado. Ele funciona como um adjunto ao exame físico e, mais do que isso, ao raciocínio clínico que orienta a tomada de decisão. Por isso, é especialmente relevante em contextos como a emergência, a UTI e outras áreas que lidam com pacientes críticos, em que a rapidez na decisão é fundamental. Ter um recurso como esse pode fazer toda a diferença. Há quem diga que o POCUS é o estetoscópio do futuro, tornando o objeto obsoleto. Eu vejo de forma diferente: o ultrassom oferece informações complementares. Sempre costumo dizer: e se o seu ultrassom quebrar? E se você não souber usar o estetoscópio? Quanto mais instrumentos diagnósticos você dominar, melhor será o cuidado prestado. O estetoscópio continua sendo uma ferramenta valiosa, e eu sigo utilizando-o sempre.

Como você se sentiu ao receber a indicação ao Jabuti Acadêmico?

Honestamente, fiquei surpreso com a indicação, porque a Medicina de Emergência é uma especialidade ainda recente no Brasil — tem, formalmente, cerca de 10 anos de existência. A equipe que se reuniu para escrever este livro é formada por profissionais relativamente jovens, mas extremamente motivados. Ao recebermos a indicação para um prêmio dessa magnitude, passamos a enxergar o livro com outros olhos, mais carinho e atenção aos detalhes, percebendo a qualidade que conseguimos alcançar. Isso também nos fez refletir sobre o quanto de trabalho foi dedicado a essa obra. Na FCM, a construção envolveu a disciplina de Emergência, preceptores, residentes, médicos e a mim, como docente. Senti-me verdadeiramente recompensado por todo esse esforço e pelo reconhecimento que veio com ele.

O que essa indicação representa para você e para os profissionais da Medicina de Emergência?

Acredito que essa indicação representa mais um passo importante para a consolidação da Medicina de Emergência como uma especialidade cada vez mais robusta no Brasil. Precisamos muito desse reconhecimento — tanto da comunidade médica e acadêmica quanto da sociedade em geral — porque as experiências vividas nas unidades de emergência, prontos-socorros e UPAs ainda são bastante negligenciadas dentro do sistema de saúde. São locais frequentemente superlotados, onde os profissionais estão expostos a situações de grande estresse e até mesmo a agressões verbais e físicas. Por isso, é fundamental que a especialidade ganhe visibilidade e reconhecimento. E, curiosamente, entre os cinco finalistas da categoria Medicina, dois livros são da área: além do nosso, também foi indicado o Tratado de Medicina de Emergência Abramede, outra importante iniciativa da Associação Brasileira de Medicina de Emergência.

O livro se propõe a atender tanto iniciantes quanto profissionais experientes. Como foi o desafio de produzir um conteúdo acessível e, ao mesmo tempo, tecnicamente robusto?

Acredito que quem divulga ciência, seja para um público mais leigo ou já graduado, precisa saber como transmitir a informação de forma acessível. Tivemos o cuidado, durante a escrita, de abordar o assunto de maneira escalonada em termos de complexidade: o livro começa pelo básico, passa para a ultrassonografia normal dos sistemas, das queixas, das patologias e, por fim, dos procedimentos. Essa foi uma estratégia para não sobrecarregar o leitor. Parece-me uma tendência da literatura técnica que nós procuramos seguir. Por ser escrito por pessoas que lidam com pacientes no dia a dia, utiliza uma linguagem prática, evitando o rebuscamento de alguns livros médicos. A obra também é muito visual, com imagens, vídeos curtos e casos clínicos, acessíveis via QR code. No contexto do POCUS, os vídeos são especialmente importantes, porque são eles que interpretamos à beira do leito. Essa também é uma forma de melhor fixar o conhecimento.

Capa do indicado ao Jabuti Acadêmico e dedicatória de Thiago: reconhecimento da Unicamp

Como a disseminação do POCUS impacta a segurança do paciente e a agilidade na tomada de decisões críticas?

Quando se fala na disseminação do POCUS, entramos em uma seara delicada. Por ser uma ferramenta fascinante e de aprendizado relativamente rápido, existe o risco de que alguém se sinta apto a difundi-lo sem tê-lo dominado plenamente. Nesse contexto, o ultrassom pode até se tornar uma ferramenta perigosa: se você não souber o que está interpretando, pode tomar decisões equivocadas. Ao longo do livro, deixamos claro o tempo todo que o treinamento adequado e a revisão por pares experientes são fundamentais. Por exemplo, ao realizar a punção de uma veia próxima ao coração com auxílio do ultrassom, a segurança do paciente aumenta significativamente — algo que já é comprovado pela literatura há bastante tempo. Por isso, a disseminação do POCUS é um passo importante que precisamos consolidar no Brasil, e acredito que o livro contribui para isso.

Na FCM, como a formação tem incorporado o uso da ultrassonografia Point of Care? Há uma cultura crescente de valorização desse recurso no currículo?

Começamos há mais de dez anos a aproximar o uso do ultrassom dos pontos de cuidado. Temos feito um grande esforço para treinar os residentes e até mesmo os alunos da graduação, mas ainda há bastante espaço para aprimoramento. É justamente nisso que tenho focado meu pós-doutorado: técnicas de ensino e estratégias para otimizar tanto a aprendizagem quanto a aplicação clínica e a pesquisa nessa área, especialmente no ensino de procedimentos. Estamos com uma aluna de mestrado prestes a defender a dissertação sobre o desenvolvimento de um simulador de toracocentese — a retirada de fluido do pulmão — guiada por ultrassom. Também estamos desenvolvendo um projeto para criar um simulador de punção do saco pericárdico, que envolve o coração — um procedimento delicado que exige treinamento específico. Enfim, nosso investimento tem sido constante no ensino, na assistência e no desenvolvimento de tecnologias que aprimorem o treinamento em ultrassonografia.

Você enxerga o POCUS como uma competência essencial do médico do futuro, independentemente da especialidade? Quais barreiras ainda precisam ser superadas para sua implementação ampla?

O POCUS, na verdade, é uma técnica do médico do presente. Em um plantão de UTI, por exemplo, se você não sabe realizar um acesso central guiado por ultrassom, pode estar colocando seu paciente em maior risco. Saber realizar esse procedimento com segurança requer treinamento específico. A próxima etapa é garantir que o profissional realmente saiba o que está fazendo, atento aos detalhes técnicos. O POCUS tem se consolidado como uma ferramenta transdisciplinar, podendo ser aplicado em especialidades como dermatologia, reumatologia e pneumologia. Mas ainda enfrentamos algumas barreiras, como a resistência à ideia de que o médico precisa aprender ultrassonografia. Felizmente isso tem mudado. Outra barreira é econômica: os aparelhos ainda são caros no Brasil e exigem manutenção frequente. Mesmo no HC, o número de equipamentos ainda está aquém do necessário para atender à demanda. Outro obstáculo importante está na formação médica. O ideal é que o estudante tenha contato com a técnica desde os primeiros anos e possa praticar ao longo da graduação. Assim, ao se formar, já terá domínio de habilidades básicas.

Que legado você espera que essa obra deixe para a Medicina de Emergência brasileira?

Espero que o livro estimule ainda mais a Medicina de Emergência a produzir conhecimento de qualidade. Por ser uma especialidade relativamente nova no Brasil, ainda temos poucos emergencistas formados que estejam inseridos na pós-graduação, como mestrado e doutorado. Esse número vem crescendo, mas ainda não é suficiente para ocupar adequadamente as disciplinas de emergência nas universidades. O que realmente desejo é que esse trabalho contribua para impulsionar a produção científica qualificada na área. Já estamos trilhando esse caminho, mas ainda não alcançamos a consolidação necessária. Acredito, com bastante confiança, que o livro pode funcionar como um estímulo importante para que esse movimento ganhe força e continuidade.


O autor

Homem de pele clara, cabelos e barba grisalhos, usa camisa xadrez em tons de preto, branco e cinza. Ele está sorrindo levemente e posando em frente a um fundo desfocado com janelas e paredes claras e alaranjadas. A imagem é um retrato em plano médio, com boa iluminação natural.

Thiago Martins Santos é professor assistente da disciplina de Emergências do Departamento de Clínica Médica da FCM. Atualmente, faz pós-doutorado na Universidade Queen Mary de Londres, onde lidera a incorporação da Ultrassonografia Point of Care no currículo médico. É também bolsista de Produtividade de Pesquisa Internacional do CNPq, estudando estratégias educacionais para o ensino de POCUS. Possui graduação em Medicina (2002) e residência em Clínica Médica (2005) pela FCM, especialização em Medicina Intensiva pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) (2011) e doutorado em Clínica Médica pela FCM (2015), tendo estudado o impacto da Ultrassonografia Point of Care na avaliação inicial de pacientes sépticos. Tem experiência em Medicina de Emergência e Medicina Intensiva, com projetos relacionados ao uso da POCUS em pacientes gravemente enfermos e no ensino médico.

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